BASTIDORES  
     
 
 

O DIÁRIO DE BILOCA, um dos meus livros mais conhecidos e, certamente, o de maior vendagem, foi escrito a partir de agendas que as meninas, na década de oitenta, tinham. Eram agendas especiais, pois nelas cabiam, além dos escritos, uma série de outras coisas que eram colados: guardanapos, convites, bilhetes, papel de diversas embalagens, ingressos de espetáculos... qualquer coisa que dissesse algo para sua autora. Minha filha e um grupinho de suas amigas me emprestaram suas agendas, confiando seus segredos ao escritor, para que eu me inspirasse e tirasse dali ideias para um livro. Prometi nunca revelar nenhum segredo delas. Fiz isso e fiz o meu livro mais famoso.

A primeira edição foi ilustrada pelo Ricardo Azevedo, a pedido meu, numa época em que as editoras aceitavam sugestões dos autores na escolha de ilustradores. Hoje, me parece, ele somente ilustra livros seus.

Umas boas lembranças do Diário de Biloca, em uma entrevista, em uma escola estadual no bairro do Ipiranga em São Paulo, uma menina me perguntou “como é que você, sendo homem, adulto, mais velho do que nós, consegue criar uma personagem tão parecida com a gente?”. Acho que aí está o segredo do escritor: captar sentimentos das pessoas e transformá-las em personagens.

Em 2013, o Diário de Biloca completou vinte e cinco anos de estrada. Uma vida. Daí surgirá uma edição comemorativa.

 
     
 
 

O livro CARTAS MARCADAS é mais uma de minhas parcerias com o amigo Antonio Gil Neto. Escrevemos sobre um tema ousado, a homoafetividade, o amor entre iguais, como está declarado no sub-título. Um tema difícil de ser tratado, de ser divulgado, de encontrar mercado. Entramos de cabeça na trama, com base sólida para escrever, tendo em vista que um dos autores conhece bem o tema. O livro ficou lindo, com as colagens feitas na pura sensibilidade pelo Antonio Gil. Costumo dizer que este é um livro que traz em si duas experiências para mim: a primeira, de ser co-autor de um livro muito bonito (em minha opinião) e a segunda, de ser um livro que é quase um fracasso de vendas. O que explica isso? Simples: a gente engole as personagens homoafetivas nas novelas de televisão, embora quase sempre sejam caricaturas e comediantes, a gente finge que não vê na sociedade, a gente ri sorrisos amarelos de piadinhas de “gays” e, sobretudo, na escola, esse tema é escondido debaixo do tapete. Embora seja um tema gritante em nossos dias, envolvendo pessoas, políticos, crimes, novelas, leis e outras coisas mais, a escola faz de conta que ele não existe. Daí a quase nula presença do livro nas escolas. Onde eventualmente chega, como tive a oportunidade de presenciar, numa escola da Zona Sul de São Paulo, a leitura foi tranqüila, a discussão excelente e a entrevista comigo melhor ainda.

Ainda hoje recebemos, eu e o Gil, emails de pessoas conhecidas ou desconhecidas, que leram o livro e gostaram muito, o que referenda para mim a certeza de que o texto é muito bom.

 
     
 
 

O LAMBISGOIA é um livro já “rodado”. Tão rodado que já completou trinta aninhos de vida. Tão rodado que até passou por uma reforma ortográfica: hoje o ditongo "oi" não é mais acentuado. Além disso, já foi lido por muita gente. Aqui no Brasil e no México. Lá pelos idos dos anos 90 e qualquer coisa, o Lambisgoia foi comprado pela Secretaria de Educação do México, algo como o MEC do Brasil, e distribuiu cerca de quarenta mil exemplares do livro, em edição traduzida para o espanhol, para todos os alunos das escolas públicas mexicanas. Enquanto os brasileiros liam o Lambisgoia, por aqui, no México, a meninada lia Micolás, Boruca y Marango. A capa mexicana você vê por aqui. Nossa... olhando assim de longe, nem parece que o Lambisgoia e seus amigos Macambúzio e Sorumbática já têm mais de vinte anos de vida e de estrada. Por uns tempos andou fora do catálogo da Editora Nova Fronteira, mas está voltando... para mais algumas décadas de prazer de leitura da meninada, que além de curtir as peripécias da macacada na escola do Zé Vampiro curte também as ilustrações da Eva Furnari (um dos poucos livros que ela ilustrou para outro autor).

 
     
 
 

TREZE CONTOS não tinha esse nome não. Eu nem me lembro do primeiro nome que dei à coletânea de dez histórias que apresentei para a Editora Atual, em 1987, um ano antes de o livro ser publicado. Ponderamos e achamos que o livro ficaria muito “magrinho”, daí eu precisar escrever mais algumas histórias. Escrevi mais três e chegamos aos treze contos. Resolvida a publicação, empacamos no título do livro. Tentamos vários, mas nenhum tinha agradado. Até que, conversa vai, conversa vem, ficamos com TREZE CONTOS. Apesar de treze ser o número tido como o número do azar, no caso do livro, deu a maior sorte, pois é um dos livros mais lidos e que a meninada gosta muito. E já passamos dos treze anos de publicação, das treze edições...e estamos quase chegando aos trinta anos de estrada. TREZE CONTOS, com muitas histórias inspiradas em acontecimentos reais, reescritos, talvez seja o meu livro com mais casos cuja inspiração andou bem perto de mim. A maioria dos contos aconteceu por perto, no meu local de trabalho, na época, diretor de escola pública. E como não me lembrar do Jorge, danado, no vigor dos seus onze anos, levando um revólver para a escola, numa época em que isso era coisa do outro mundo!? E como esquecer a história da vaca Estrela contada aos risos por minha Ezaltina, também como eu, diretora de escola!? E o conto “Homem pode ser mulher?” que me foi contado, entre sorrisos, por minha amiga  América dos Anjos Marinho, mulher do escritor Jorge Miguel Marinho, fato ocorrido em sua escola!? Hoje, o livro tem uma capa e tamanho diferentes da primeira edição, que você pode ver ao lado. A capa e as ilustrações dessa primeira edição foram feitas pelo Alcy.

 
     
 
 

O TESOURO PERDIDO DO GIGANTE GIGANTESCO foi publicado em forma de capítulos no suplemento A FOLHINHA DE S. PAULO que, na época, 1983, publicava muitas histórias escritas por diversos autores. Foram quatro semanas, um capítulo por edição. A história fez um enorme sucesso, medido pelo número de cartas que recebemos. Eu me animei com isso e transformamos a história em livro. A primeira edição foi ilustrada pelo Paulo Tenente – que depois ilustrou a continuação da história do país dos avessos. A capa você vê por aqui. Encontrei-me com o Paulo algumas vezes e ele acabou me ilustrando também, me colocando como personagem anônima no meio da multidão, em uma página do livro. A ideia principal, o tesouro do gigante, eu me inspirei no pequeno tesouro de minha filha, na época com oito anos.
O país onde vive o gigante é conhecido como o País Não-para-no-lugar. Quase sempre os leitores querem saber de onde veio essa invenção. Confesso que não tenho a menor ideia. Tenho apenas uma vaga hipótese: esse país talvez seja a metáfora da leitura. Pensem comigo: cada vez que leio alguma coisa interessante, aquilo que eu li passa a fazer parte dos meus pensamentos e certamente fez mudar alguma coisa na minha vida. Não é? Leio, aprendo e meus pensamentos mudam. A cada mudança, o país do meu pensamento muda de lugar! O que o leitor pensa dessa comparação?

Este livro, entre os meus, é um dos campeões de pedidos de autorização por autores de livros didáticos, sempre querendo publicar trechos da história em seus livros didáticos de Língua Portuguesa. Há algum tempo atrás, eu ficava sabendo – ou nem ficava – somente depois, muito tempo depois, de forma casual que um texto meu havia sido utilizado em livros didáticos. Hoje, não. Ninguém usa um texto de outro autor, sem pedir a sua autorização e pagar por isso.

 
     
 
 

MINHA HISTÓRIA EU MESMO FAÇO tem um contexto de criação diferente. Corria o ano de 1998 e eu e outros três escritores criamos um grupo de encontro e discussão. Nos reuníamos uma vez por mês para conversar, rir, pensar, criar, comentar. Geralmente em um final de tarde que se alongava pelo início da noite. Éramos eu, Pedro Bandeira, Márcia Kupstas e Vinícius Caldevilla. Rolavam histórias interessantes, muitas delas contadas pelo Vinícius, dos seus tempos de militante político contra a ditadura, época em que chegou a viver exilado em Cuba. Dentre as idéias surgidas, uma delas foi a coleção chamada QUATRO AMIGOS. Ideia simples: escreveríamos cada qual um texto, que seria lido e comentado pelos outros três amigos. Daí nasceram oito livros, dois de cada autor. Os meus foram MINHA HISTÓRIA EU MESMO FAÇO e BEM DENTRO DE MIM (este, fora de catálogo). Quem topou a parada foi a Quinteto Editorial, selo que foi comprado pela Editora FTD. Minha História eu Mesmo Faço, foi  publicado em 2001, O mais legal, ainda hoje, eu gosto muito desse aspecto no livro, é a história centrada em uma personagem, na sua história enquanto personagem, na sua conversa e discussão com o autor, interferindo na criação. É o que chamamos de metalinguagem (um palavrão estranho que significa mais ou menos, nesse caso, discutir a história dentro da própria história).

 
     
 
 

Criar as personagens e situações do PAÍS DOS AVESSOS era uma aventura interessante, pois eu tinha que manter a coerência, a lógica do avesso. Ou seja: mesmo no avesso, as situações e personagens tinham que ter coerência no “avessurismo”. Uma das personagens de que gosto bastante – e acho que até pode ter uma história somente dela – é a Rainha Louca, inspirada num certo ministro poderoso da ditadura. Tanto tempo depois, mais de trinta anos, acho que a Rainha Louca está querendo voltar, dar as caras, pois vira e mexe me pego pensando nela, lembrando dela. Para quem gosta de escrever e inventar, sabe que quando uma personagem fica “martelando” a cabeça é sinal indiscutível de que ela quer viver novas histórias. E nesse mundo que estamos vivendo, acho que a Rainha Louca se daria muito bem.

Uma novidade na época em que escrevi as primeiras histórias do País dos Avessos, nos idos de 1981 e 1982 (no século passado!!!!) foi a criação de uma personagem que conversava com o autor do livro, enquanto ele escrevia as histórias. Uma personagem que não tinha nada a ver com a história dos país dos avessos, mas que acabava entrando na história pois se metia a conversar com o autor nos momentos em que ele tentava se concentrar  para escrever. Era o Kiko, filho do escritor, Na vida real, fora dos avessos, o Kiko era o meu filho que, arteiro e inquieto, não me dava sossego, o sossego que eu precisava para me entender com as personagens do país dos avessos. A história do xixi no tapete, mais do que real, entrou na história do país dos avessos, por ter acontecido no exato momento em que eu escrevia. A história saiu, portanto, misturando invenções e fatos reais, uma mistura de ficção com realidade, de história com o contexto da história virando história. Isso tem um nome esquisito: metalinguagem.